Era quinze de Abril.
Depois de uma noite mal dormida, um ‘ontem’ pior ainda, nós estávamos no banco do gramado do parque vendo os patos comendo a grama que estava invadindo o lago pela margem.
O reflexo da ponte, que cortava o lago, na água, era fantástico. Nesse momento os esguichos do lago, que faziam uns desenhos bonitos no ar, estavam desligados. Podíamos ver mais dois casais do outro lado fazendo a mesma coisa que nós, ouvíamos as risadas das crianças que andavam de bicicleta pelo parque, mas eram quase cobertas pelo barulho das árvores balançando.
Estava sol, mas estávamos à sombra. Não estava muito calor e o vento estava gostoso.
- No que você está pensando? – ela me perguntou
- Em nada, por quê?
- Depois de ontem, consegue não pensar em nada num lugar assim?
- Quer dizer algo? No que você está pensando?
Eu não estava pensando em nada mesmo, só estava curtindo o lugar onde estávamos. E do mais, achei que aquele assunto estava encerrado.
Nos “desabraçamos”, ela pediu para sentarmos um de frente pro outro. Ela segurou as minhas mãos, mediu cada parte do meu corpo e olhou pra mim fixamente. Durante uns 5 minutos. Em silêncio.
Nesses 5 minutos deu tempo de fazer uma retrospectiva desde quando havíamos nos conhecido. Fiquei olhando pro nada durante esse tempo.
No início eu não gostava muito dela, pra ser bem sincero eu tinha uma antipatia que nunca tive por ninguém. Garota mimada, que se acha, diz coisas meio sem nexo e nem era tão bonita assim quanto os outros diziam ser.
Eu não conseguia ficar no mesmo ambiente que ela. Ela chegava falando alto, abraçando todo mundo, - realmente ela era bem popular, nunca tinha ouvido alguém falar mal dela – e eu nunca gostava de nada que ela fazia. Pra mim ela era muito artificial. Um dia ela veio falar comigo:
- Ei... você não é o rapaz, amigo dos garotos daquela banda de rock?
- É.. Eu sou o “ R A P A Z ” amigo deles sim.
- Posso me sentar com você?
- Na verdade não, tenho ânsia só de ouvir a sua voz. – eu pensei – mas acabei dizendo:
- Pode, claro!
Encontramos-nos no Intermunicipal Circular - 154, no centro de São Paulo e por infelicidade minha, ela iria para o mesmo lugar que eu. Desceríamos na estação de São Caetano e, por mais uma maldição do destino, ela pegaria o mesmo ônibus que eu pra casa dela, e, se desgraça pouca é bobagem, falou que desceria depois de mim. Parecia que ia chover, mas no caminho não choveu e não pegamos muito trânsito, ainda bem!
- Vi você junto do pessoal da banda várias vezes, mas nunca fomos apresentados.
- É...
- Então, você os conhece da onde? Você toca algum instrumento? Nossa, eu adoro a banda deles! Comprei até um violão, mas acho muito difícil tocar. Você pelo jeito também gosta, né? Teve um baile que eu fui e eles tocaram, não sei se você estava, nossa! ...
Pelo amor de Deus, alguém costure a boca desse papagaio-humano!
Na minha vida eu já conheci garotas que gostam de falar, vendedoras de Yakult, Avon, Herbalife, vizinhas fofoqueiras e tias futriqueiras, mas gostar de falar que nem essa garota, eu nunca tinha visto igual.
Eu tinha acabado de almoçar, estava com sono. Minha cabeça estava quase explodindo a dela. Sabe quando as pessoas falam com você e você só responde “Aham”... “É?!” ... “Hum... poxa!”, mas na verdade você nem imagina do que ela está falando? Foi assim durante 35 minutos dos 40 que passamos no ônibus vindo pra São Caetano.
Na estação de São Caetano, tive certeza que desceria uns 5 pontos antes do meu pois não agüentaria tanto tempo com ela.
- Bla Bla bla... Bla bla bla... Bla bla bla...
- Humm... poxa!
- Bla Bla bla... Bla bla bla... Bla bla bla...
- É?!
Desci. Passava das 15:30h.
Ahh! Que alívio!
Viaturas policiais, as sirenes soavam como canções! Latidos, isso! Latam! Latam mais! Depois de descer daquele ônibus, descobri que adoro cães bravos, caminhões de lixo, buzinas e feira livre!
Então olhei para aqueles lábios falantes que já não diziam muita coisa havia um tempo e me aproximei. Eles estavam molhados, assim como seus olhos e o resto de seu rosto. Os esguichos do lado acabavam de ser ligados. Mas não pude chegar tão perto...
Andava já há uns 10 minutos, quando mudei de calçada e vi de longe, vindo em minha direção, uma moça. Pensei: “Que broto!" – e ri sozinho
Ela foi se aproximando e quando cheguei perto não acreditei:
- Ué ?! Não ia descer quase no ponto final? - perguntei
- Na verdade eu moro duas quadras da estação. Resolvi dar uma voltinha de ônibus... e o nosso papo estava tão bom! Daqui vou a pé mesmo.
- Humm...
- ...
- Bom, então ta...
- Ta... Então nos vemos por aí...
- É... Acho que sim...
- Tá...
- Ta... então tchau.
- Tchau...
Segui meu caminho e ela seguiu o dela, experimentei dar uma olhada pra trás, não sei por que. Ela fez a mesma coisa e me mandou um tchau de longe.
Mais à noite, como de praxe, fui acompanhar a banda dos meus amigos que tocariam num clube perto de casa. Senti, apesar de que era evidente, que a encontraria.
Quase uma da manhã, o salão estava lotado de pessoas, não havia ninguém sentado. Animação frenética, como sempre eram os shows deles. Eu estava com alguns amigos, que hoje, talvez, nem se lembrem de mim. Conversando, rindo, flertando, como acontece em qualquer outra festa.
- Ei... Pegou chuva? – me cutucaram perguntando.
- Não. Não peguei, por quê?
- Nossa! Depois que nos despedimos, acabei pegando uma rua errada quando ia pra casa. Dei uma volta enorme pra me encontrar e começou a chover. Passou um carro numa poça, me molhou toda, aí acabei tropeçando numa garrafa vermelha, acho que era de vinho, aí....
- Aí você se achou e chegou em casa, né? – atravessei pra resumir
- Não... Você nem imagina... aí... quando eu achei que tinha me achado veio um cachorro...
- To ferrado! De novo. – pensei.
Com aquela barulheira, acabamos indo “conversar” - entre aspas, porque só ela falava - lá fora do salão, perto das piscinas.
Durante nossa conversa vieram várias amigas e amigos dela que a procurava pelo salão e ela sempre dava um jeito de dispensá-los.
Ela me contou que seu cachorro chamava-se Thor, mas havia o deixado na chácara, pois era muito grande. Que sua avó morava no centro de SP, que sua fruta preferida era maçã, que a melhor professora dela foi a Dona Helena do pré-três, que sua cor preferida era amarela, que queria ter dois filhos, que comprou uma blusa verde, mas quando chegou em casa não gostou e foi trocar por uma branca no dia seguinte, que gostava de sorvete de flocos, que nunca havia repetido de ano, que não gostava de rock, que estava apaixonada por mim, que ?!
- Que?! – perguntei assustado
- É... faz um tempo que...
Ela olhou pra baixo e quando olhou pra mim de novo já veio me beijando.
E eu não impedi. Lógico! Era uma das garotas mais cobiçadas da época (meus amigos morreriam de inveja e as outras garotas, que eu queria um lance, ou sairiam comigo pra se promover – afinal eu beijei a garota mais popular, logo meu nome estaria aos ventos por aí – ou ficariam com raiva de mim, tem loca pra tudo), e o principal!!! Ela, me beijando, ficaria sem falar por um bom tempo.
Era quinze de abril, 3:45h da manhã, começava a chover e as gotas do chafariz nos molhava inteiros como naquela chuva 25 anos atrás. Chamamos as crianças que estavam andando de bicicleta, levantamos do banco, nos abraçamos e fomos pra casa.
Depois de uma noite mal dormida, um ‘ontem’ pior ainda, nós estávamos no banco do gramado do parque vendo os patos comendo a grama que estava invadindo o lago pela margem.
O reflexo da ponte, que cortava o lago, na água, era fantástico. Nesse momento os esguichos do lago, que faziam uns desenhos bonitos no ar, estavam desligados. Podíamos ver mais dois casais do outro lado fazendo a mesma coisa que nós, ouvíamos as risadas das crianças que andavam de bicicleta pelo parque, mas eram quase cobertas pelo barulho das árvores balançando.
Estava sol, mas estávamos à sombra. Não estava muito calor e o vento estava gostoso.
- No que você está pensando? – ela me perguntou
- Em nada, por quê?
- Depois de ontem, consegue não pensar em nada num lugar assim?
- Quer dizer algo? No que você está pensando?
Eu não estava pensando em nada mesmo, só estava curtindo o lugar onde estávamos. E do mais, achei que aquele assunto estava encerrado.
Nos “desabraçamos”, ela pediu para sentarmos um de frente pro outro. Ela segurou as minhas mãos, mediu cada parte do meu corpo e olhou pra mim fixamente. Durante uns 5 minutos. Em silêncio.
Nesses 5 minutos deu tempo de fazer uma retrospectiva desde quando havíamos nos conhecido. Fiquei olhando pro nada durante esse tempo.
No início eu não gostava muito dela, pra ser bem sincero eu tinha uma antipatia que nunca tive por ninguém. Garota mimada, que se acha, diz coisas meio sem nexo e nem era tão bonita assim quanto os outros diziam ser.
Eu não conseguia ficar no mesmo ambiente que ela. Ela chegava falando alto, abraçando todo mundo, - realmente ela era bem popular, nunca tinha ouvido alguém falar mal dela – e eu nunca gostava de nada que ela fazia. Pra mim ela era muito artificial. Um dia ela veio falar comigo:
- Ei... você não é o rapaz, amigo dos garotos daquela banda de rock?
- É.. Eu sou o “ R A P A Z ” amigo deles sim.
- Posso me sentar com você?
- Na verdade não, tenho ânsia só de ouvir a sua voz. – eu pensei – mas acabei dizendo:
- Pode, claro!
Encontramos-nos no Intermunicipal Circular - 154, no centro de São Paulo e por infelicidade minha, ela iria para o mesmo lugar que eu. Desceríamos na estação de São Caetano e, por mais uma maldição do destino, ela pegaria o mesmo ônibus que eu pra casa dela, e, se desgraça pouca é bobagem, falou que desceria depois de mim. Parecia que ia chover, mas no caminho não choveu e não pegamos muito trânsito, ainda bem!
- Vi você junto do pessoal da banda várias vezes, mas nunca fomos apresentados.
- É...
- Então, você os conhece da onde? Você toca algum instrumento? Nossa, eu adoro a banda deles! Comprei até um violão, mas acho muito difícil tocar. Você pelo jeito também gosta, né? Teve um baile que eu fui e eles tocaram, não sei se você estava, nossa! ...
Pelo amor de Deus, alguém costure a boca desse papagaio-humano!
Na minha vida eu já conheci garotas que gostam de falar, vendedoras de Yakult, Avon, Herbalife, vizinhas fofoqueiras e tias futriqueiras, mas gostar de falar que nem essa garota, eu nunca tinha visto igual.
Eu tinha acabado de almoçar, estava com sono. Minha cabeça estava quase explodindo a dela. Sabe quando as pessoas falam com você e você só responde “Aham”... “É?!” ... “Hum... poxa!”, mas na verdade você nem imagina do que ela está falando? Foi assim durante 35 minutos dos 40 que passamos no ônibus vindo pra São Caetano.
Na estação de São Caetano, tive certeza que desceria uns 5 pontos antes do meu pois não agüentaria tanto tempo com ela.
- Bla Bla bla... Bla bla bla... Bla bla bla...
- Humm... poxa!
- Bla Bla bla... Bla bla bla... Bla bla bla...
- É?!
Desci. Passava das 15:30h.
Ahh! Que alívio!
Viaturas policiais, as sirenes soavam como canções! Latidos, isso! Latam! Latam mais! Depois de descer daquele ônibus, descobri que adoro cães bravos, caminhões de lixo, buzinas e feira livre!
Então olhei para aqueles lábios falantes que já não diziam muita coisa havia um tempo e me aproximei. Eles estavam molhados, assim como seus olhos e o resto de seu rosto. Os esguichos do lado acabavam de ser ligados. Mas não pude chegar tão perto...
Andava já há uns 10 minutos, quando mudei de calçada e vi de longe, vindo em minha direção, uma moça. Pensei: “Que broto!" – e ri sozinho
Ela foi se aproximando e quando cheguei perto não acreditei:
- Ué ?! Não ia descer quase no ponto final? - perguntei
- Na verdade eu moro duas quadras da estação. Resolvi dar uma voltinha de ônibus... e o nosso papo estava tão bom! Daqui vou a pé mesmo.
- Humm...
- ...
- Bom, então ta...
- Ta... Então nos vemos por aí...
- É... Acho que sim...
- Tá...
- Ta... então tchau.
- Tchau...
Segui meu caminho e ela seguiu o dela, experimentei dar uma olhada pra trás, não sei por que. Ela fez a mesma coisa e me mandou um tchau de longe.
Mais à noite, como de praxe, fui acompanhar a banda dos meus amigos que tocariam num clube perto de casa. Senti, apesar de que era evidente, que a encontraria.
Quase uma da manhã, o salão estava lotado de pessoas, não havia ninguém sentado. Animação frenética, como sempre eram os shows deles. Eu estava com alguns amigos, que hoje, talvez, nem se lembrem de mim. Conversando, rindo, flertando, como acontece em qualquer outra festa.
- Ei... Pegou chuva? – me cutucaram perguntando.
- Não. Não peguei, por quê?
- Nossa! Depois que nos despedimos, acabei pegando uma rua errada quando ia pra casa. Dei uma volta enorme pra me encontrar e começou a chover. Passou um carro numa poça, me molhou toda, aí acabei tropeçando numa garrafa vermelha, acho que era de vinho, aí....
- Aí você se achou e chegou em casa, né? – atravessei pra resumir
- Não... Você nem imagina... aí... quando eu achei que tinha me achado veio um cachorro...
- To ferrado! De novo. – pensei.
Com aquela barulheira, acabamos indo “conversar” - entre aspas, porque só ela falava - lá fora do salão, perto das piscinas.
Durante nossa conversa vieram várias amigas e amigos dela que a procurava pelo salão e ela sempre dava um jeito de dispensá-los.
Ela me contou que seu cachorro chamava-se Thor, mas havia o deixado na chácara, pois era muito grande. Que sua avó morava no centro de SP, que sua fruta preferida era maçã, que a melhor professora dela foi a Dona Helena do pré-três, que sua cor preferida era amarela, que queria ter dois filhos, que comprou uma blusa verde, mas quando chegou em casa não gostou e foi trocar por uma branca no dia seguinte, que gostava de sorvete de flocos, que nunca havia repetido de ano, que não gostava de rock, que estava apaixonada por mim, que ?!
- Que?! – perguntei assustado
- É... faz um tempo que...
Ela olhou pra baixo e quando olhou pra mim de novo já veio me beijando.
E eu não impedi. Lógico! Era uma das garotas mais cobiçadas da época (meus amigos morreriam de inveja e as outras garotas, que eu queria um lance, ou sairiam comigo pra se promover – afinal eu beijei a garota mais popular, logo meu nome estaria aos ventos por aí – ou ficariam com raiva de mim, tem loca pra tudo), e o principal!!! Ela, me beijando, ficaria sem falar por um bom tempo.
Era quinze de abril, 3:45h da manhã, começava a chover e as gotas do chafariz nos molhava inteiros como naquela chuva 25 anos atrás. Chamamos as crianças que estavam andando de bicicleta, levantamos do banco, nos abraçamos e fomos pra casa.