terça-feira, 15 de dezembro de 2009

3 minutos no espelho

Lavei o rosto, as mãos e joguei uma água no cabelo. Não lembro se foi nessa ordem, mas fiz tudo isso.
Apoiei as duas mãos na pia, avancei meu corpo em direção ao espelho e me vi ridículo. Estava completamente bêbado.
Me diverti alguns segundos apagando e acendendo a luz, vendo minhas pupilas se dilatarem e se comprimirem. Acho que foram uns 3 minutos na frente do espelho.

Era mais uma festa universitária, todos aqueles futuros profissionais comemorando alguma coisa. Bebendo como se seus corpos fossem baldes de plástico, fumando como se fossem filtros super poderosos e outros cheirando sem a menor vergonha - o cangote de quem seja -. Continuava a me olhar no espelho, ridículo.
Bateram na porta algumas vezes, mas desistiram.
- Quem é você, cara?! O que você está fazendo?! - Me perguntaram.
- Porra bicho, to me divertindo! Você deveria fazer o mesmo do que ficar aí, se olhando que nem um fracassado.
- E que sucesso se tem absorvendo cachaça que nem uma esponja?
- Cala a boca! Você viu quantas minas estão lá dando sopa?
- Eu vi cara... são esponjosas como você.
Meu debate comigo mesmo foi ficando tenso até que eu dei um murro nele, em mim, sei lá. No espelho!

Ouviram o barulho dos cacos de vidro e da porcelana da pia, não medi a força do apoio e derrubei a pia também. Arrombaram a porta.
- Maluco, que porra é essa na sua mão?
- Não sei cara, eu escorreguei... é sangue, é vidro, é porcelana ...
- É vergonha e cachaça. - Alguém no caco de vidro respondeu pra mim.
Saí carregado do banheiro para a área da piscina, virei o centro das atenções. O DJ abaixou o volume e, quase que no ritmo, minha pressão abaixou junto.
Lembro dos meus amigos agaixados me ajudando -estavam pouca coisa menos bêbados que eu-, a cena estava em câmera lenta, eles davam alguns tapas no meu rosto, apertavam o meu braço, outros vieram ajudar e gritavam por uma ambulância, a minha respiração ficava cada vez mais lenta também, algumas pessoas riam da situação, eu não conseguia expressar o que eu estava querendo dizer, minha fala estava pesada, meus braços também, o sangue não chegou na piscina graças aos panos que me cercavam, algumas garrafas no chão - ao longe - pareciam querer participar da cerimônia, a ambulância não chegava e havia um pedaço de espelho no meu braço ainda. Fixei meu olhar nele.

O vidro refletia o céu azul. O dia estava lindo - e eu ridículo -, dia perfeito para uma festa na piscina. Vi poucas nuvens, não vi pássaros, nem aviões, nem o reflexo de ninguém, nem o meu próprio reflexo -eu não tinha mais nenhum-. Movimentaram meu braço de uma maneira que o espelho refletiu a luz do sol nos meus olhos, fiquei cego por alguns instantes e apaguei.

Acordei num carro de desconhecidos, diziam que me levariam ao hospital. Disseram que eram organizadores da festa, mas não lembro o nome deles. Chegamos. Ao sair do carro, apaguei novamente.

Lembro de sentir as pessoas a minha volta. Eu não conseguia abrir os olhos ou reagir qualquer movimento. Me sentia bem, queria dizer-lhes que eu estava bem:
- Ei galera!!! É zoeira!!! Ta tudo de boas!!!
Mas eu não consegui. Me concentrei, forcei para abrir os olhos e assustei com um espelho na minha cara. Na verdade não era bem um espelho, mas um vidro que cobria o meu rosto.
Me concentrei forte por três minutos e consegui levantar. Vi minha mãe aos prantos dizendo incessantemente:
- Meu filho, lindo.. lind... lin...
- Calma mãe, tá tudo bem! - e a abracei fortemente.
Ela permaneceu chorando e olhava fixamente para atrás de mim, pra minha cama. Perguntava a todos o que estava acontecendo, apenas balançavam a cabeça em movimento de negação triste, mas eu estava ótimo. Quando olhei para minha cama, me vi novamente, dessa vez não havia espelho algum.