quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Garoa num copo d´ água.

Uma garoa fina, céu cinza, os guarda-chuvas se esbarravam na calçada no centro da cidade logo às 6:30h da manhã, enquanto a fumaça dos ônibus, que chegavam no terminal, subiam para o céu como meu olhar que se perdia em certa altura. Em segundo plano via um garoto que corria entre os carros pendurando balas de uva nos retrovisores enquanto o semáforo ficava no vermelho. Ou verde? Ou apagado? Não vi direito, mas nesse dia ter semáforo ou não, não fazia a menor diferença.
A essa altura eu já estava atrasado, mas desisti de correr para pegar o trem - dia de chuva é assim mesmo, caos, atrasos, desculpas e comida o dia inteiro – e fui andando, aproveitando cada gota que caia na minha cara.
Com a minha calma, vi o desespero dos outros, que iam e vinham, como se fossem eu 2 minutos atrás. Olhei para os que embarcavam nos ônibus e perdi uns 30 segundos vendo aquele amontoado de carnes embrulhadas molhadas brigando por alguns centímetros quadrados, olhei para dentro da estação de trem, respirei fundo e me preparei para ser mais um desses embrulhos brigões.
Passei pela catraca e vi que o trem que me levaria para o trabalho estava na plataforma, ameacei correr quando ele correu primeiro. Desgraçado! Não sei se acontece isso com vocês, mas quando esse tipo de coisa acontece, eu fico com uma puta cara de tonto achando que todo mundo olha pra mim pensando ‘se fodeu, perdeu o trem – risada maléfica - Muaahahahah’. Então o jeito foi esperar.
Esperar trem em dia de chuva é como agachar na frente do forno e ficar esperando o bolo crescer. Doem as pernas, cansa a mente, ficamos impacientes e o bolo teima em não crescer, e o trem teima em não chegar. Após essa associação ridícula, fui comprar alguns pães de queijo, só pra ver se o tempo passava logo.
- Por favor, me dá um pão de queijo? Esse aqui ó!
Por pura coincidência – ou não -, na bancada da barraca do pão de queijo, encontrei um amigo que não via desde os tempos da escola. Ele me contou que já não namorava mais a mesma garota, ela havia se mudado para Cuiabá com os pais e ambos não acreditaram nesse namoro. Fez uma tatuagem de um dragão chinês nas costas, conseguiu três empregos depois que terminou a oitava série, mas foi demitido de todos eles, por que horário pra cumprir não é com ele mesmo, desde os tempos de escola lembro que chegava atrasado e nunca entregava os trabalhos no prazo. Conseguiu dinheiro vencendo, com um projeto que fazia desde a sexta-série, um concurso de inventores em São Paulo e abriu uma loja de equipamentos de som automotivo ali perto da estação de trem. Muitas novidades mesmo! Eu estava curiosíssimo pra saber como funcionava aquela invenção que ele escondia à 7 chaves de todo mundo, exceto do professor de física, que parecia o Tio Chico da família Adams.
Por mim, eu passaria o dia ali conversando, comendo pãozinho de queijo, vendo o desespero das pessoas, curtindo umas gotas de chuva na calça, mas a vida não é essa, né?! Notei que meu trem estava chegando. Nos despedimos e fui para a plataforma já me preparando pra guerra.
- Ohh meu Deus!!! Nããoo!!!
- Chamem uma ambulância!!!
- Ahhhh!!!
- Ohhhh!!!


Começou uma gritaria assustada, vi uma moça fechando os olhos do filho, andando em direção ao banheiro e eu, como outras dezenas de pessoas, fui ver o que tinha acontecido.
- Dá licença, o que está acontecendo? – cutuquei uma senhora
- Meu Deus, tenha misericórdia desse homem!!! Oh....
- Mas o que aconteceu, senhora?

- Pai nosso que estais no céu...

Puta que pariu, será que alguém se jogou, foi empurrado, alguém desmaiou, Jesus voltou, um rato mordeu um bebê, alguém estava pelado nos trilhos, o que acontecia, desgraça?!?! Dei mais uns cutucões na galera, mas tinha muita gente, ninguém sabia me dizer ao certo o que acontecia.

Bom, fofoca sem sucesso, muita gente lá e eu precisava ir trabalhar, fui seguindo em direção a saída ver se conseguia ao menos pegar um ônibus para ir ao trabalho, já que a estação estava tomada por guardinhas, polícia, logo chegariam aqueles jornais sensacionalistas, quando:

- Foi aquele ali, policial !!! – uma mulher negra, bem gorda apontava em minha direção.
Eu olhei pra trás para confirmar se era para mim que ela apontava. Era eu mesmo.
- Foi ele policial, eu tenho certeza !
- Desculpe, mas fui eu o que? – eu assustado, respondi.
- Foi ele, foi ele !!!

Sem entender nada, fui levado para uma sala separada da multidão na própria estação de trem, só tinha uma mesa de madeira e uma TV pendurada. Fiquei lá por 2 horas e trouxeram uma fita que diziam ser de uma das câmeras de segurança. Tudo bem. Eu só precisava avisar que não iria trabalhar nesse dia, mas ninguém me emprestou sequer um celular ou um cartão telefônico. O meu celular havia ficado embaixo da cama carregando. Mais uma vez, tudo bem. Amanhã explico a situação.

Ligaram a TV e um aparelho semelhante à um vídeo-cassete, ambos velhacos. Eu não parava de pensar nas senhoras assustadas orando, a mãe fechando os olhos do filho, e eu ali trancado naquela sala, curioso para ver o que havia na fita, batendo meus pés, ansioso.

Olhei para a TV sem entender nada. E o policial olhava para minha cara, de braços cruzados, com uma cara que não negava estar puto da vida, sei lá com o que, talvez comigo. Era eu ali, na TV, conversando com meu amigo, comendo alguns pães de queijo. Passaram-se mais de 20 minutos de agonia, eu vendo a fita. E a gritaria lá fora continuava. Terrível.
Quando o vídeo acabou, me levantei, abri minha carteira e paguei meus pães de queijo que havia esquecido à senhora gorda.
Saí da salinha e aproveitei, já que não ia trabalhar, para dar uma passada na loja de som do meu amigo, enfrentei mais uma garoinha, vi mais uma galera se estapeando pra entrar nos ônibus e cheguei na loja, branca e azul, bonita, cheia de carros e música, perguntei pelo meu amigo, mas ele não estava.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Atentado terrorista

10 de Setembro, segunda-feira comum.
Pela manhã um solzinho tímido, e ele, dia de folga, sem nada pra fazer.
Pela tarde, apenas uma volta no quarteirão de bicicleta – prata, 21 marchas - que ganhou, havia 1 ano, de sua ex-namorada.
Pouco depois das 19h ele estava cansado de não fazer nada, olhou pela janela e viu uma chuva pesada, desanimadora. Nocauteou-se no sofá e, deitado, cobriu com um braço apenas um dos olhos, de maneira que conseguia segurar o encosto do sofá por trás de sua cabeça, com o outro, apoiava sobre o vidro gelado da mesa de centro.
Ela estava quase pronta para sair com sua melhor amiga, só faltava passar o batom e calçar seus sapatos pretos de bico fino que ganhou de seu ex-namorado havia 3 meses. O elevador demorava para subir – sua vizinha do andar de baixo, Heleonora, acabava de chegar com as compras e suas 3 crianças infernais - sua amiga, que já estava na portaria, começou a ficar ansiosa.
Eram 19:27h e ele já tinha ligado para seus 3 melhores amigos e para meia dúzia de garotas com quem sempre rolava um esquema. E nada.
Passava das 20:20h ele estava andando de carro sozinho por aí.
Ela chegou ao barzinho que sempre ia às sextas-feiras por volta das 21h. O som já rolava e, apesar da chuva, o pessoal começava a chegar.
No meio do caminho, ele percebe seu marcador de combustível baixar e, no ritmo do limpador de pára-brisas, cantava as músicas de sua banda favorita – não tinha jeito, já que seu aparelho de cd havia sido roubado nem uma semana antes -. Deu seta para direita e vê o local mais iluminado da rua. Pessoas bonitas, um lugar agitado. Já eram 21:45h e não havia modo de rejeitar um convite desses.
Enquanto o som ao vivo de mpb rolava, ela dançava e ria muito com sua amiga que, no intervalo da terceira música, quis ir ao banheiro. Cansada e com sede, ela vai ao balcão pedir uma garrafinha de água sem gás.
Às 22:12h ele, que estava sentado em uma mesinha ao lado do palco, olha para o balcão.
Exatamente às 22:12h ela, que estava sentada no balcão olha para as mesinhas.
Neste mesmo horário, dois sorrisos surgiram. O dela foi acompanhado por um movimento tímido, encolhendo o rosto para a direita.
01:01h
- “Na minha casa ou na sua?” – ela
- “Na sua”
Que cena mais estranha. Foi amor à primeira vista - quem não acreditar nisso, sugiro que olhe mais a sua volta. –
No caminho, não faltou assunto. Incrível como as risadas eram sinceramente compartilhadas.
O cenário tinha tons escuros, já três garrafas de vinho no chão – duas delas caídas - . Na cama só o lençol, sem o edredon que, ninguém sabe como, estava na sala. Na pele, apenas a outra pele molhada de suor. Que noite!
Cada sorriso tinha uma sensação de promessas. Cada beijo, a confirmação. Só podia ser amor. E foi.
O dia clareou e ele acordou desesperado procurando suas roupas:
- “Preciso ir embora, estou atrasado.”
- “Você volta hoje à noite, né?! Você prometeu...” – ela, sorrindo-falando-cantando com ar de romance.
Ele olha pra cima, já vestindo sua camisa e, como uma bola de lâminas que sobe pela garganta, responde:
- “Não podemos viver juntos, sinto muito. Você tem um gato, eu tenho um cachorro que não suporta gatos.”
Ela o vê partir – seu coração – e cai coberta pelo lençol em prantos na cama.
“Espera! Ele não me disse nada sobre cachorros ontem, quando falei do meu gato.” – ela pensa.
Pega o telefone sem fio na cabeceira da cama e, olhando para a mão esquerda, digita o que via com a mão direita:
- “Alô?” – diz uma voz cansada no outro lado da linha.
- “Bom dia senhora, sou da Clinica Veterinária e estou ligando para confirmar a vacinação do cachorro hoje às 15h, tudo bem?” – ela diz.
- “Olha minha filha, sinto muito, mas acho que ligou errado. O único cachorro que eu tenho aqui não dormiu em casa e deve ter ficado na gandaia até altas horas, desculpe.”

Ela desliga o telefone. Liga a TV, era 11 de Setembro.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Muito prazer,

Tive um 'click' na noite desta quarta-feira, dia 22 de Outubro, data esta que marca a criação deste Blog.
Eu estava no ônibus do Givaldo - motorista figura - voltando pra casa depois de mais um dia de trabalho, lendo Marcelo Rubens Paiva "Feliz ano Velho" - recomendo - e lembrei-me que não havia nem sequer me apresentado aqui no Blog, apesar de que se houver algum leitor deste Blog, provavelmente é algum amigo meu, mas eu gosto de saber de quem são os textos que leio, as músicas que ouço e acho importante me apresentar, né?!
Enquanto eu lia o livro e pensava nisso, lembrei de um show que eu fui há uns dois anos. Prometia ser sensacional. Rock ´n roll de primeira qualidade, casa lotada, escura, logo na entrada já tinha gente dançando, cantando, se abraçando, rodando, e outras coisas que se faz quando está muito louco. Eu estava apenas andando com mais dois amigos.
Passamos pela revista dos seguranças e seguimos em direção ao palco. Como disse, a casa estava abarrotada, usei uma técnica milenar para furar a multidão: cutuca de um lado, se joga pro outro e vai costurando a multidão. Fomos até onde era possível devido à concentração da massa, depois de umas cotoveladas aqui, uns xingamentos alí, ficamos distantes uns 10 metros do palco, mas já dava para ver a marca da bateria Pearl e a guitarra Washburn em um pedestal prata.
As poucas luzes que restavam acessas, se apagaram. A galera começou a gritar, isqueiros, celulares, dente de ouro, tudo o que brilhava estava para o alto, deve ter ficado muito bonito para quem via de longe.
Apareceram 6 sombras andando sobre o palco, cada uma em direção à um instrumento - a galera continuava gritando bebadroguenergicamente -.
'One, two... one, two, three... four! "Tac, tum dum, tum pichhh..." Yeahh!'
- Mas que porra é essa?
- Uuuuuhhhhhhh!!!!!
Aqueles gritos bebadroguenergicos tornaram-se vaias e vários outros tipos de protestinhos de platéia-idiota-cabeça-fechada. Todos da banda demonstraram não estar nem aí para as vaias, estavam tocando como se fossem o show da vida deles, empolgante. Evidentemente não era a banda principal, mas não precisaram passar por 3 minutos de apresentação pra multidão se calar e vidrar-se ao palco. Ouviram, viram e sentiram uma energia que saia de cada nota super executada do guitarrista que, com certeza, fez sua sequência passar de 4 minutos. Seu solo, claro, foi acompanhado pelo felling e levada particular proporcinada pelo baixista moreno de cabelo black power que vestia uma bermuda branca, tênis largo e camiseta preta; pelo baterista careca magrelo, sem camisa e branquelo; pelo tecladista cabeludo que estava com uma camiseta de uma banda de metal, mas não identifiquei qual; pelo violonista tiozão, gordo e de unhas grandes; e pelo outro guitarrista alto de cabelo moicano vermelho. Impressionante.
Ao final daquele solo, a multidão aplaudiramnãoaplaudindo - notava-se um certo arrependimento misturado com deslumbre na cara de muitos -.
Os guitarristas colocaram suas guitarras nos pedestais pratas, o baixista desplugou o cabo do seu instrumento fazendo um puta barulho, o tecladista simplesmente saiu do palco e o baterista recolheu seus pratos.
As luzes se acenderam parcialmente e, até hoje, nem eu, nem os meus amigos descobrimos o nome daquela banda.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Que horas são, por favor?

Maldita quarta-feira que teimei, teimei e saí da cama. Estava um puta frio.
Na verdade não sei se era quarta-feira ou domingo, mas isso é indiferente. Ao abrir os olhos, notei as luzes do rádio-relógio, ao lado direito da cabeceira da cama, marcando e piscando meia-noite.
Pulei da cama e corri na cozinha para ver as horas no microondas, corrida em vão, também piscava-marcava-piscava meia-noite, aproveitei para tomar um copo d’água - minha cabeça estava explodindo - . Liguei a TV da sala e coloquei num canal que sempre deixava o relógio no canto superior direito, mas era de madrugada e aquele chuvisco branco e preto estava me cegando, sua programação estava fora do ar, assim como eu.
Olhei pela janela e estava tudo escuro, voltei quase caindo de sono para o meu quarto, pulei algumas roupas que estavam no corredor e me lembrei que sempre deixo meu celular para despertar embaixo da cama. 'Ráá, agora essas horas não me escapam - Low Battery -. Ok! Ok! Vou colocá-lo para recarregar e, daqui meia hora, o ligo e sacio esta obsessão pelo horário.’
Deitei e fiquei imaginando quanto tempo eu já tinha dormido, compassei os ‘tic-tacs’ na minha cabeça com a maldita luz piscando que vinha do rádio-relógio. Isso durou um bom tempo. Nem sei quanto, mas quando eu estava pegando no sono, o telefone de casa tocou – confesso que tomei um susto desgraçado – eu fiquei pensando se levantaria ou não, afinal estava muito, muito frio, tinha acabado de me deitar e era de madrugada. Perae! Alguém ligando em casa de madrugada? Devem ter tentado ligar no meu celular, mas está sem bateria. 'Relaxa... já sei. Provavelmente é um dos meus amigos bêbados, ligando pra me atazanar. Não vou levantar não. Sempre fazem isso.'
O rádio-relógio continuava piscando e os tic-tacs voltaram a entrar no compasso. Depois de umas quatro ou cinco piscadas - do relógio, não minhas - perdi o tempo e pensei ‘e se não for meus amigos, for algo urgente? Droga. Liga de novo, liga, liga, liga’ fiquei pensando nisso ainda deitado e perdi o sono. Fui ver TV na sala.
Sem acender nenhuma lâmpada para não aumentar o poder de explosão da minha cabeça, deixei somente as luzes da rua iluminarem parcialmente meu caminho, mas acabei esbarrando o pé num par de tênis ao lado do sofá e acabei ficando por ali mesmo, ameacei contar até 10 para pegar o controle remoto que estava na mesa de centro, mas só lembro de ter contado até 7.
Acordei com as costas travadas e coberto por um lençol branco, meio amarelado de velho, tentei me lembrar onde e que horas havia pegado aquele lençol, mas preferi ligar a TV para ver que horas eram.