sexta-feira, 15 de abril de 2011

Eu queria ser um segredo

O desconhecido é sempre um segredo que alguém não revelou. E quem não é curioso o bastante para se interessar por um segredo? E se esse segredo for seu e nem você mesmo conheça o conteúdo?

Metade da minha vida utilizei umas máscaras para conseguir algumas coisas: amigos, um emprego, uma garota, um real, uma hora de atenção, enfim... usava todo aquele arsenal de personalidades que um ser humano pode utilizar, as famosas "máscaras". Famosas máscaras que ninguém gosta de admitir que usa.

Fechei o livro deixando o marcador de páginas na 46, faltava ainda mais da metade pra terminar de lê-lo. Fui atender meu celular e recebi um convite inusitado em pleno início da madrugada. Topei!
Quinta pra sexta-feira, coloquei minha fantasia de baladeiro e saí com a Laura, amiga que saio desde que tenho uns 14 anos, passei na casa dela e fomos a um bar jogar sinuca.


Lá encontramos alguns amigos meus e amigos e amigas dela. A maioria, por sinal, já se conheciam, só eu não sabia desse universo de amizades em comum. A princípio foi divertido.
Com o passar das horas e das bitucas arremessadas na sarjeta, minha fantasia de baladeiro foi se desfazendo e eu fui colocando a minha fantasia de conquistador. O porque, ao certo, não sei. A troca foi suave, mas rápida, poucos amigos próximos perceberam.
Ainda na área de fumantes, pendurei um sorriso falso abaixo do meu nariz para me aproximar dela. Ela me olhou três ou quatro vezes seguidas com aquele aspecto: "Você vai vir aqui perto mesmo? Ah.. por favor, não!"... e eu senti que ela também pendurava um sorriso falso quando a abordei e iniciei um papo qualquer.

Chequei no meu banco de dados um assunto que possivelmente pudesse surpreender, impressionar... hum.... em vão. Todos os assuntos que eu dominava, ela também dominava e quando ela arriscava algum papo diferente, eu sabia do que ela estava falando. Isso se tornou engraçado. Como um bom estrategista, aproveitei esse gancho. Tínhamos muitas coisas em comum. Conversamos durante quase uma hora sem interrupções -somente para encher o copo-.
Eu só percebi que não estava mais com a fantasia de conquistador quando eu quase avancei para beijá-la. Minha ideia inicial era que acontecesse o contrário. Foi quando decidi ir embora. Talvez a fantasia dela de conquistadora tenha sido mais elaborada. Vazei.

Logo pela manhã do dia seguinte, voltando do centro de São Caetano, encontrei minha amiga Laura no semáforo da Av. Goiás com a Amazonas. Na verdade ela me encontrou. Ela estava voltando do curso de inglês a caminho do ponto de ônibus. Quando parei no semáforo, tomei um puta susto com ela batendo no vidro: 
- Ae cabeção, me dá uma carona!

Ela entrou no meu carro sorrindo e perguntando com uma fantasia de ironia:

- Pra onde você foi ontem que nem me deu tchau?
- Ué... eu fui pra casa, por que?
- Sei.. pra casa... fala a verdade!
- Fui pra casa mesmo... sério. Eu estava com dor de cabeça de ficar lá.
- Hum. Tenho um recado pra você.

Passou pela minha cabeça que algum amigo meu quisesse falar comigo, sei lá, mas foi um recado estranho. Eu não estava fantasiado de 'Cara Preparado Pra Receber Um Recado' e deixei minha face responder o quão feliz e confuso fiquei com a notícia.
- Ihh... pelo jeito você gostou dela também, né?! - Laura me disse.

"Malditas expressões corporais! Logo eu que fico analisando todo mundo deixo escapar uma dessas! Fraco!" - pensei.
- Aham... normal. Achei ela legal. - respondi.

Contei algumas coisas que conversamos, ponderando nas palavras, vestindo um verdadeiro traje 'mediador', de maneira que ela deixava escapar algumas informações que eu julgava importantes para minha, então, quase conquista.

Quando chegava perto da casa de Laurinha, ela pede para eu encostar o carro porque quer me contar uma coisa. Senti que ela vestia uma dramaturga de segunda. Suspense!

- Edu, o que você tem?
- Como assim?
- Sério, você fica sempre na defensiva. Se abre comigo. Eu sempre falo tudo pra você, sinto que não é recíproco. Espero que não se ofenda, mas eu gosto muito de você e acho, sinceramente, que você também tenha uma consideração por mim.
- La, de boa, não tenho nada, sério. Adoro você, óbvio, mas não sei do que você está falando. (fantasiado de sínico)
- Tem um tempo que queria ter esse papo com você. Do que você tem medo? Por que se esconde tanto dentro de si mesmo?
... fiz uma pausa tenebrosa. Ela havia quebrado mais um disfarce meu e eu não conseguia pensar em nada pra virar o jogo. Há algum tempo eu vinha percebendo que minhas máscaras ficavam cada vez mais fixas em mim. Arrisquei:
- Então, Laurinha, não sei porque você tem essa impressão. Eu conto as coisas da minha vida sim, só que não são do modo como você conta ou, talvez, do modo que você gostaria de ouvir.
- Hum... - silêncio -. Beleza. Podemos ir nessa.

Ela se voltou pra frente e colocou o cinto esperando que eu ligasse o carro. Óbvio que percebi a decepção dela com a minha resposta "grosseira"... eu diria "direta". Fomos em silêncio até a casa dela.

- Tó. Esse é o telefone da Ariane. Ela falou pra você ligar pra ela. Desculpe se te incomodei.
- Tranquilo. Valeu.

Arranquei com o carro e vi, pelo retrovisor, ela sentando em frente sua casa, fitando meu carro. Não entendi porque não tinha entrado pra casa... então resolvi dar a volta no quarteirão pra ver se estava tudo bem mesmo.

Passando novamente pela casa dela, estava somente o material do inglês. Achei estranho. Olhei pra todos os lados da rua, fui atrás da caçamba de uma obra que acontecia na rua dela e nada também. Dei uma olhada entre os tapumes da construção, mas estavam bem fechados. Peguei seu material e toquei a campainha uma vez. Duas vezes. Pela terceira vez e.... desisti. Aguardei uns cinco minutos na rua pra ver se ela aparecia e nada... Pensei em ligar pra ela, mas, pra variar, meu celular havia ficado embaixo da minha cama recarregando a bateria.

Eu sempre ando com um cartão telefônico para certos imprevistos, porém eu não sabia o telefone dela decor. Procurei rapidamente alguma coisa no material dela, vi que tinha um livro do mesmo autor do livro que eu lia, mas não achei mais nada. Foi quando veio o 'click!': "Vou ligar pra Ariane, explicar a situação e pedir o telefone da Laura. Vou parecer ridículo, mas dane-se. Vou com a fantasia de 'não me importo com nada' e é por uma causa boa."

- Ariane?
- Alô? Ela mesma, quem é?
- Oi Ariane, é o Eduardo... amigo da Laura, sabe?
- Eduardo...? Eduardo...?
"Pra cima de mim não! hahahaha" - Pensei. Eu sabia que ela sabia quem era, lancei:
- Ah.. Nada não... Deixa pra lá, então. Eu~
- Não! Não! O Eduardo de ontem do bar, né?! Da sinuca?
- Isso.. eu mesmo. (risada maléfica interior: Muaahahaha! I´m win!)

Ela me contou que acordou bem, não tinha notícias da Laura, mas que tentaria ligar pra ela.
Ariane estava morando na casa de uma tia solteira, aqui em São Caetano mesmo, ambas dariam uma festa naquela noite e me convidou. Disse que convidaria Laurinha também.

Passei a tarde inteira dormindo me recuperando da noite anterior e pensando como a Laura tinha esquecido o material do inglês dela. Nem me passou pela cabeça qualquer desgraça. Sempre acho que as pessoas são mais esquecidas, burras, do que passíveis de um ato de violência... até porque notícia de desgraça voa.

Dormi muito. Acordei quase oito da noite. Jantei. Tomei banho. Me troquei. Aí liguei pra Laurinha pra passar na casa dela pra buscá-la. Não me atendeu. Liguei pra Ariane que disse ter falado com a Laura e ela já estava a caminho. Justo! Peguei meu carro, liguei o GPS. Passei no mercado. Comprei umas bebidas e fui pra casa da Ariane. Com uma fantasia de quem iria se dar bem naquela noite, desliguei meu celular pra nenhum amigo vir atrás de mim.

Chegando no prédio da Ariane, toquei o interfone:
- Boa noite. Vou no apartamento 92.
- Seu nome?
- Eduardo.
- Ah sim. Pode subir...

"Caramba! Será que tem uma lista de convidados?" - pensei

Toquei a campainha e aguardei. Ariane veio me receber. Mais linda ainda agora, eu comigo sóbrio. Me convidou pra entrar.

- Ué. Tudo bem? Cadê o pessoal, a Laurinha?
- A Laurinha ligou desmarcando e o resto do pessoal não veio.
- E sua tia? 
- O ex-marido dela ligou querendo conversar... e ela, capachona, foi.
- Então~
- ~Então só veio você. Por mim não tem problema. Por você tem? - ela dizendo, já sabendo minha resposta, se virava em direção a cozinha.

Fixaram na minha mente aqueles olhos claros realçados por aqueles cabelos ruivos... Afe! Não tive escolha. Tomamos uns dois drinks. Conversamos bastante. Ela desligou a TV. Não colocou nenhuma música. Abriu a cortina da sala pra luz da lua entrar e sentirmos uma leve brisa. As luzes da sala estavam acesas. Aliás, da casa inteira estava. Nesse cenário claro e estranho, atípico para um romance, ela foi, vagarosamente, despindo todas as minhas fantasias. Rebatia todas os meus questionamentos. Quebrava mais uma e outra máscara minha. Eu tirava lentamente sua roupa de timidez também. Ela levantava para tirar os meus sapatos de superioridade. Abri botão por botão de sua calça de ansiedade. Ela arrancou com violência minha camisa hipócrita. E fomos nos descobrindo.

Ela me fez contar coisas que eu não sabia. Eu queria ser um segredo e ela me revelou.

Logo pela manhã fui até a cozinha preparar um café da manhã pra gente, sem fantasia. No canto da cozinha, perto da fruteira vi os livros da Laura jogados no chão, estranhei, pois haviam ficado no meu carro. Eu tinha certeza!

Quando voltei pro quarto com a bandeija na mão, curioso pra saber dos livros, Ariane estava sorrindo e pulando na cama me convidando pra ir com ela. Sorrimos, nos abraçamos, pulamos, cansamos e dormimos de novo. Exaustos.